quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Fonte de inspiração

"Corre, corre. O número do telefone dissolvendo-se em tinta na palma da mão suada. Ah, no fim destes dias crispados de início de primavera, entre os engarrafamentos de trânsito, as pessoas enlouquecidas e a paranóia à solta pela cidade, no fim destes dias encontrar você que me sorri, que me abre os braços, que me abençoa e passa a mão na minha cara marcada, no que resta de cabelos na minha cabeça confusa, que me olha no olho e me permite mergulhar no fundo quente da curva do teu ombro. Mergulho no cheiro que não defino, você me embala dentro dos seus braços, você cobre com a boca meus ouvidos entupidos de buzinas, versos interrompidos, escapamentos abertos, tilintar de telefones, máquinas de escrever, ruídos telefônicos, britadeiras de concreto, e você me beija e você me aperta e você me leva para Creta, Mikonos, Rodes, Patmos, delos, e você me aquieta repetindo que está tudo bem, tudo, tudo bem. O telefone toca três vezes. isto é uma gravação deixe seu nome e telefone depois do bip que eu ligo assim que puder, OK?"

Trecho do maravilhoso conto "Anotações de um amor urbano", de Caio Fernando Abreu (in "Ovelhas Negras"). É tão legal que esse paragráfo só já parece ser um conto...

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