quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A lenda da rosa azul ... por mim !

Era mais um jovem rapaz pobre e sem sorte que vagava pelas ruas de Hal, a extenuante cidade dos humanos, a mais próxima de Alzegrim e de onde se podia ver o mar, embora não ficasse exatamente na praia. Branco, de cabelo castanho liso, curto e ralo, aparentava ser um menino ainda e andava apressado carregando sua bolsa de ervas. Tinha vontade de gritar que veio de Alzegrim para toda a cidade, mas sabia que não acreditariam nele. Talvez os elfos não fossem os monstros que diziam. De qualquer modo, a bolsa de ervas precisava ser entregue ao estalajadeiro conforme solicitado. Era assim que Markus sobrevivia – de pequenos serviços para as pessoas de Hal – serviços às vezes arriscados demais para pessoas que davam valor à própria vida. Não que fosse um suicida ou herói. Era só um rapaz sem família e sem razão pra viver. Contava com a sorte sempre que ia em alguma de suas “missões” e era tão conhecido como garoto de serviços quanto ignorado nas ruas como pessoa. Pelo menos os guardas não o importunavam mais. Nem os maus elementos conhecidos.

Perambulava pela praça da feira sul quando percebeu que as pessoas a sua frente corriam pros lados apressadas em abrir passagem. Poucas pessoas causavam essa situação e Wordz certamente era uma delas. Não que fosse exatamente uma pessoa.

E em meio à multidão parecia um homem bem alto e quando essa se dispersava é que se podia notar que se tratava de um dos raros centauros. Era o único que habitava Hal, onde ganhava a vida como ferreiro.

Rapidamente todos já haviam se dispersado e Markus pôde ver claramente aquele meio homem que se aproximava dele. A parte humana exibia fortes músculos que já assustariam mesmo sem contar com a ainda mais forte parte cavalo. Só quando chegou mais perto Markus pode notar algumas tatuagens e o enorme cabelo branco em trança única.

– Tenho um destino para você que faz serviços.

– Sim, sou eu – respondeu olhando de baixo pra cima a imponente criatura de dorso rajado, que lhe dirigia a palavra.

Markus, que nunca recusava até mesmo as ninharias que os mercadores pagavam pelas ervas, se sentia atraído por qualquer quantidade de moedas. Precisava comer, como todos, além de pagar quinzenalmente pelo quarto na pousada.

– De quantas moedas de prata estamos falando?

– Talvez devesse perguntar antes de que serviço se trata.

– Sim… claro – respondeu embaraçado.

– Preciso que vá até as ruínas da velha cidade que está entre Hal e Alzegrim e me traga uma espada forjada pelos elfos.

Obviamente Markus ignorava por completo a existência de tal espada e sabia também, como era de conhecimento geral, que a vila era evitada por causa dos cavaleiros caídos.

– Eu não recusaria serviço. Mas não vou arriscar meu pescoço por poucas moedas.

– Acredite, vai gostar da recompensa.

– Espera aí. Você é grande e forte. Porque não vai pessoalmente buscar sua espada?

– Não gosto de lutas e não sairia da cidade por tão pouco. Você dá conta do serviço.

– Ta bem. Estou a caminho – disse Markus virando as costas e se dirigindo ao estalajadeiro a fim de entregar as ervas. Wordz parecia esconder algo importante.

Quando a praça “voltou ao normal” com seus vendedores, compradores e ladinos, Markus dirigiu-se à saída norte de Hal. Folheava seu velho livro. Não conseguia compreender tudo que ali estava. Na verdade, quase nada. Havia no livro trechos escritos na língua comum dos humanos, como observações. Era isso que ele procurava às vezes, pois lhe fazia sentir como pensava seu pai que mal conhecera. Encontrou um trecho que já havia lido, sem dar atenção completa.

O limite entre glória e desgraça só existe na cabeça de cada um e para os caídos, a glória foi a desgraça. A luz deixou de iluminar quando o olho se tornou negro para todo o sempre e triste do que é vivo diante da espada daqueles que um dia defenderam a todos.”

Fechou o livro e continuou devagar. O receio pelo incerto era ludibriado pelas palavras do livro que remoía ao caminhar cada vez mais depressa na direção do seu destino. Seus companheiros, o velho alforje de couro onde carregava ração e um cantil de ferro quase enferrujado, que ele carrega desde que se lembra, serviriam para ajudar a fazer os três dias que o separavam das ruínas.

A trilha que o levaria ao seu destino era por algumas horas a mesma de Alzegrim até em determinado ponto onde pegou um solitário desvio à esquerda e caminhou por ali por mais dois dias, valendo-se da ração que trouxera e da capacidade de sobreviver com o que encontrasse. Por vezes simplesmente esquecia o que o preocupava e dedicava-se simplesmente a andar até seu destino.

Ao amanhecer do terceiro dia, um novo ânimo tomava conta do garoto-homem. Dormiu na floresta e a noite transcorreu bem. Com o canto dos pássaros e a primeira luz do dia, veio à memória de sua recente estada em Alzegrim e a sensação de estar sendo observado ali. Uma sensação de que havia algo errado naquilo que lhe ensinaram sobre os elfos passou a perseguir seus pensamentos desde então. Envolto quase perdido nesses mesmos devaneios, nem mesmo percebeu que já estava bem próximo das ruínas. Deve ter sido uma grande cidade esse grande cemitério e pedras e escombros imundos, escondidos sob a densa camada branca de neblina que permanecia parada, dando um ar fantasmagórico àquele ambiente. Sentiu medo.

Não era medo da morte. Era um medo diferente, cheio de expectativa. Respirou fundo e embrenhou-se na neblina. Estava agora dentro do território dos caídos, seja lá o que isso quisesse dizer.

O silêncio dominava o lugar, a densa neblina impedia de ver mais que alguns palmos à frente. Tudo o que Markus podia ouvir era o som de seus passos além de seu próprio coração. Em todas as direções do lugar, só havia paredes derrubadas, armas enferrujadas ao chão, cenas de guerra.

Dava passos lentos seguindo pelo que parecia a entrada da cidade. Pensava sobre o tempo em que ainda havia vida ali, quase podia ver as pessoas vendendo e comprando coisas no mercado. Estava longe do jeito de pensar de Markus entender os porquês da guerra.

Estacou de repente, havia pisado em algo e fez barulho. Droga vão saber que estou aqui. Notou que era uma espada velha e enferrujada, feita por homens e decidiu levava embora soubesse que em suas mão não era de muita ajuda.

Ao contrário do que pensava chegou ao local indicado pelo centauro sem muitas dificuldades, havia atravessado uma pequena ponte que o levou pra antiga parte nobre da cidade. Continuou em frente e logo encontrou a entrada do cemitério. Seguindo as referências encontrou o único túmulo sem nome ali.

Sem grande esforço desenterrou o falso caixão e retirou dali a mais bela espada que seus olhos mortais haviam contemplado. Toda essa admiração logo foi interrompida quando ouviu cavalos trotando.

Os caídos, droga tinha esquecido deles.

Pendurou a espada nas costas e se pôs a correr, mesmo sabendo que de nada adiantaria, seria pêgo. Corria desesperadamente em direção a saída. Mal saiu do cemitério quando avistou três grandes e imponentes homens vestidos com imensas túnicas negras. O do meio carregava uma imensa espada nas costas, enquanto o da direita trazia praticamente pendurada no braço uma grande e pesada maça e o da esquerda já apontava um arco para Markus.

Eu vou morrer.

Por sorte se abaixou bem a tempo de não ser atingido pela primeira fecha que veio zunindo e desapareceu no ar. Voltou a correr, seguiu pelo antigo mercado enquanto abria o livro de seu pai, mesmo que no fundo não soubesse ao menos sobre o que procurar.

Escondeu-se atrás de uma pilastra, evitando fazer barulho. Os cavaleiros passaram direto em direção a saída.

O que meu pai faria agora?

Lembrou-se de seu pai falando dos Caídos, eram guerreiros amaldiçoados, que não podiam ver a luz. É isso! Abriu então o velho caderno de seu pai, e procurou pela pagina que havia visto mais cedo. Numa nota de rodapé feito com escrita rudimentar viu a fórmula de um feitiço bem simples.

Em duas ou três tentativas conseguiu formar uma esfera de luz muito fraca. Com a qual atravessou tranquilamente a cidade. A névoa parecia abrir caminho para à luz. Como que a temendo. Dos cavaleiros nem mesmo rastro, porém Markus tinha a sensação que ainda os veria outra vez.

Nenhum comentário: