terça-feira, 14 de setembro de 2010

Entre as folhas ( Capitulo I ) " A lenda "


Entre as Folhas

Ainda era dia e mal se notava a luz do sol naquele ponto da floresta. Para um humano entrar e ir tão longe em Alzegrim era preciso coragem visto que os elfos não costumavam tolerar a presença deles em suas terras. A relação entre elfos e humanos nunca foi das melhores. Havia séculos que não acontecia nenhum conflito entre eles e apesar das guerras terem ficado muito tempo no passado, não se podia ver membros das duas raças de conversa por aí em qualquer lugar. Para os seres da floresta, os humanos não passavam de criaturas gananciosas e egoístas que não mereciam nem mesmo os poucos anos de vida que não sabiam aproveitar.

Loren observava por entre as árvores o corajoso jovem que entrara ali em busca de ervas. Nada que pudesse causar danos à floresta seria conveniente e a última coisa que se podia querer era um confronto com eles, o que era totalmente inviável atualmente. E por tal motivo ainda era tolerada a presença dos poucos que ali entravam. Pra evitar conflitos.

O humano não pôde perceber a presença de Loren, contudo olhava desconfiado em todas as direções. Dava pra sentir o cheiro do medo. Era aparentemente jovem, estatura média e roupas rasgadas, não carregava consigo nenhuma arma. O cabelo era muito liso e castanho, ralo, caía sobre o rosto e grudava na testa úmida. Não era mais que um garoto pobre, vestes um pouco rotas e chinela de couro bem gasto. Seja qual fosse sua motivação para encarar a floresta, deveria ser nobre como contava o avô da elfa sobre humanos de tempos passados. Um humano poderia ser realmente nobre? Divagava enquanto observava silenciosa a cena.

A uma distância não muito longa Loren pode vê-lo arrancar algumas ervas que brotavam em cantos escuros. Eram realmente ervas medicinais e de certo modo isso lhe trouxe alívio, sem saber bem por que. Entendia seus motivos ou pelo menos achava que sim. Sempre carregou consigo um sentimento desconfiado para com os humanos, achando-os um tanto quanto curiosos. Das copas das árvores mais altas, podia ver o movimento deles festejando em Hal. Loren não tinha nada para comemorar. Porque então essas criaturas que não chegam a viver cem anos têm tanto motivo pra festa? Talvez morrer seja algo bom? Sempre se perguntava.

Depois de encher uma pequena bolsa com ervas do mesmo tipo, o jovem já caminhava em direção a saída. Havia por ali um pequeno caminho que levava a estrada dos humanos e conseqüentemente a Hal. Loren o observou até que saísse da parte mais densa da floresta. Acompanhou-o por cerca de duas horas, deixando-o ir sozinho… Pelo menos essa era a intenção. Já havia se afastado cerca de vinte minutos de onde abandonara o humano e percebeu que em sua cabeça ainda tinha a figura dele quando chegava ao interior da parte da floresta onde residiam os primeiros elfos.

Sentada à sombra do sobreiro do lago das folhas, Loren remoía as possibilidades de ajudar seu avô, único membro vivo de sua família, atacado por uma grave doença desconhecida até mesmo pela sabedoria ancestral dos elfos. De todas as histórias que Loren ouvia seu avô contar, nenhuma a fascinava mais do que a lenda da rosa azul. Muitos aventureiros já haviam sumido no mundo a procura de tal flor. Segundo a lenda aquele que a possuísse teria aquilo que mais desejasse e não havia nada que desejasse mais no momento do que salvar seu avô. De que vale ser imortal ao tempo quando a vida nos leva embora de outras maneiras?

Os pensamentos da jovem elfa fluíam e sua angústia aumentava cada vez mais. Ansiava por fazer algo mesmo depois dos mais antigos e sábios curandeiros élficos darem por encerrado o assunto. O vento soprava o velho carvalho e jogava as folhas mais velhas sobre a água do lago de águas escuras que se escondia mais adiante sob as rochas cobertas pela terra e capim. Soprava ainda os finos cabelos lisos da elfa sobre sua pele alva. A beleza natural dos elfos se mostrava claramente em Loren e dava uma errada impressão de fragilidade. Amava tudo aquilo como todo elfo ama sua casa, sua floresta natal e mais ainda seu avô. Era preciso fazer alguma coisa, algo que estaria fora da vila élfica.

Loren sabia muito bem que nenhum dos outros aprovariam a idéia de sair da floresta a procura de uma cura. Se Alzegrim não pode curar, nada mais pode. Mas algo dizia que ela devia procurar. Estava decidida a salvar seu avo. Caso não conseguisse não imaginava mais um sentido pra sua vida e isso tornaria sua imortalidade uma maldição.

Uma vez quando ainda era criança, seu avô a levou para floresta, na parte escura onde só os mais corajosos adentravam. As folhas mal se mexiam e a escuridão tomava de conta do lugar. Foi a primeira vez que sentiu medo. Se agarrou nas pernas do avô e pedia pra voltar para casa.

– Não podemos voltar, todos contam com nossa coragem. Alguém ali dentro precisa de ajuda.

– Quem?

– Você vai ver quando chegarmos lá.

Caminharam com cautela mais alguns minutos. Floresta estava cada vez mais densa e o pequeno coração de Loren mais agitado. Embora ainda estivessem nas primeiras horas do dia uma escuridão assustadora preenchia o lugar. O caminho já havia se tornado estreito o bastante pra fazer que o velho pegasse Loren no colo.

– Chegamos.

Sem que Loren notasse se aproximaram de uma inusitada clareira em meio a todo aquele ar fantasmagórico da floresta. O medo de repente se vai quando a luz do sol encheu os olhos.

–Vamos nos aproximar querida, é importante que veja bem.

No meio da clareira havia uma árvore imensa. O que assustava nela não era seu tamanho e sim o rosto preso em seu tronco, como se um ser humano tentasse tirar a cabeça para fora da árvore, paralisado e endurecido ali indefinidamente.

– Uma vez, um homem normal quis ter mais poder que Alzegrim. Se juntou a outros homens e tentou atacar a floresta. Muitos elfos morreram naqueles dias. Mas como todos sabem o mal nunca pode vencer. E o espírito de Alzegrim se encarregou dele. Por hora é tudo o que você deve saber.

– Ele vai ficar assim para sempre vovô?

– Não se sabe, talvez um dia ele se arrependa e o espírito o liberte, talvez não.

Junto com essas lembranças vieram as lagrimas que Loren nem mesmo se preocupou em enxugar. Tinha medo de perder seu avô. E essa dor não suportaria. Voltou pra aldeia decidida salvá-lo a qualquer custo.

As recordações deram lugar a uma idéia fixa que movia a elfa agora. Deixou sua cabana na vila élfica arrumada e fechada, levando consigo apenas suas roupas, o arco de madeira feito por ela mesma e a aljava de flechas que uma vez pertencera ao seu pai. Saiu discretamente por entre às árvores, evitando as crianças que ali brincavam e os adultos que moravam nas proximidades. Passou uma última vez pela margem do lago das folhas e o observou com carinho como em despedida, imaginando se voltaria em breve para casa. Precisava voltar pelo seu avô e pelos próprios elfos. Se a doença dele se espalhasse toda a vila corria risco de desaparecer em poucos anos. Rumou para sudoeste, para a estrada dos humanos.

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